Vale a pena colocar prótese nos 2 joelhos ao mesmo tempo?

Falaremos aqui especificamente sobre osteoartrite (artrose ou desgaste) e artroplastia, que é a colocação de prótese no joelho. Cirurgias artroscópicas e lesões ligamentares serão abordadas em outro post ou artigo. Esta é uma pergunta muito frequente no consultório do especialista em cirurgia do joelho e a razão é muito simples: mais de 5% dos pacientes acometidos por osteoartrite do joelho são de casos bilaterais, podendo chegar em até 30%. Algumas vezes, o paciente nem sabe qual lado operar primeiro, porque ambos os lados doem, a qualidade de vida está ruim e, uma vez que a difícil decisão de se submeter à cirurgia já foi tomada, a tendência é que o paciente e os familiares queiram resolver a situação da forma mais rápida possível. Como qualquer cirurgia de grande porte, existe grande ansiedade envolvida, tanto da família, como do paciente. Nos Estados Unidos, 7% de todas as artroplastias de joelho são atualmente bilaterais e simultâneas. As vantagens de se fazer ambos os lados ao mesmo tempo são teoricamente várias: maior conveniência, única anestesia, menor tempo de recuperação se forem considerados os dois lados somados em tempos diferentes; único período de fisioterapia; melhor padrão de deambulação (a osteoartrite frequentemente está associada a deformidades de alinhamento do joelho, como varo ou valgo); redução dos custos hospitalares e outras. Por outro lado, nunca podemos nos esquecer que o típico paciente que é submetido a artroplastia do joelho é um paciente idoso e com variados problemas de saúde. Além disso, a prótese do joelho é considerada uma cirurgia de grande porte ortopédico, com tempo cirúrgico relativamente elevado, sangramento, riscos de trombose venosa profunda, infecção hospitalar, além de outras complicações gerais de saúde em decorrência da anemia ou outras alterações metabólicas inerentes ao período de recuperação pós-operatória. Alguns estudos mostram, por exemplo, aumento no risco de complicações cardíacas e até mesmo mortalidade. O período mínimo de intervalo de três meses entre as cirurgias tem sido considerado por muitos como um período de segurança para que o paciente possa restabelecer completamente suas condições de saúde e cumprir um período mínimo de reabilitação fisioterápica, com recuperação completa da mobilidade articular e capacidade de deambulação com segurança, sem auxílio. A decisão, portanto, de quais pacientes terão real benefício com a realização simultânea das cirurgias, com menores riscos envolvidos, não é tão simples e não se encontra consenso na literatura.
Um estudo recente, de 2021, realizou uma análise retrospectiva que abrangeu 2 décadas, de 2728 pacientes submetidos à artroplastias simultâneas bilaterais, comparando-os com outro grupo de 1658 pacientes que foram submetidos a cirurgias em dias diferentes. Nesse último grupo, ainda foram analisados os pacientes com intervalo menor ou maior que 90 dias entre as cirurgias do lado direito e esquerdo, mas ainda assim dentro do mesmo ano. Todos os eventos adversos e complicações precoces e tardias foram registrados para todos os grupos. Os pacientes submetidos a artroplastias simultâneas tinham em média 63 anos, enquanto os submetidos a cirurgias estagiadas tinham 67 anos.
Complicações hospitalares
Como esperado, a perda sanguínea nos pacientes submetidos a cirurgias simultâneas e bilaterais foi maior, assim como o período de internação. Pacientes operados de forma estagiada, ou seja, em dias diferentes, tiveram menos anemia, menores complicações metabólicas, respiratórias, digestivas, urinárias e neurológicas. Também tiveram menos embolia pulmonar. Mais reinternações foram necessárias entre os pacientes submetidos a cirurgias simultâneas.
Maior mortalidade durante a internação foi encontrada entre os pacientes que tiveram seus joelhos operados de forma simultânea, embora a diferença não tenha sido estatisticamente significativa.
Quando foram comparados os pacientes operados com menos ou mais de 90 dias, poucas diferenças foram encontradas, exceto mais complicações gastrointestinais nos pacientes operados com menos de 90 dias.
Necessidade de revisão da artroplastia e reoperações
Mais reoperações foram necessárias no grupo de pacientes que tiveram ambos os joelhos operados ao mesmo tempo, dentro de um período de observação de 2 anos, incluindo revisão das artroplastias (troca da prótese). Com a melhor seleção dos pacientes para cirurgia simultânea, observou-se no decorrer do tempo que as taxas de reoperações foram menores e comparáveis com as cirurgias realizadas de forma estagiada.
A outra questão que tentou ser respondida recentemente foi qual deve ser o intervalo de tempo entre as cirurgias, já que a forma estagiada parece ser a mais segura para operar ambos os joelhos. Uma revisão sistemática da literatura, também publicada em 2021 e envolvendo 23 estudos e 117090 pacientes, mostrou claramente que o intervalo de tempo curto, abaixo de 30 dias, está mais associado com complicações. Curiosamente, operar após 90 dias de intervalo, embora melhor do ponto de vista cardiológico, pulmonar e riscos de trombose, esteve mais associado com complicações infecciosas, por razões desconhecidas.
Principais achados de relevância
1. Mais complicações ocorrem nas cirurgias realizadas de forma bilateral e simultânea.
2. Um curto intervalo de tempo entre as cirurgias, até mesmo menor que 90 dias, parece ser benéfico e reduz a incidência de complicações. Um período menor que 30 dias deve ser evitado e está associado com mais complicações.
3. Seleção cuidadosa de pacientes candidatos a cirurgia simultânea bilateral é necessária (pacientes mais jovens e com menos comorbidades).
Assim, conveniência e custo devem ser relegados como fatores secundários em nossa decisão, considerando, obviamente, a segurança dos pacientes.
Os dados aqui apresentados, embora retrospectivos, referem-se unicamente a artroplastias do joelho e não outros tipos de cirurgias. Seguramente, os dados são diferentes para artroscopias simples do joelho ou reconstruções ligamentares, assuntos que serão abordados em outro artigo.
Bibliografia consultada
Abdelaal MS, Calem D, Sherman MB, Sharkey PF, Short Interval Staged
Bilateral Total Knee Arthroplasty: Safety Compared to Simultaneous and Later Staged Bilateral TKA, The Journal of Arthroplasty (2021).
Ghasemi SA, Rashidi S, Rasouli MR, Parvizi J. Staged Bilateral Total Knee Arthroplasty: When Should the Second Knee be Replaced? Arch Bone Jt Surg. 2021
Joelho, Trauma e Esporte









