O que sabemos sobre a relação entre corrida e osteoartrite?
Você precisa mesmo evitar todo tipo de impacto?

A corrida pode causar ou piorar a artrose no joelho?
A corrida é um esporte extremamente popular, com aumento significativo no número de participantes nos últimos anos, especialmente nas corridas de longa duração. Observa-se também aumento na proporção de pessoas que praticam a corrida em faixas etárias progressivamente maiores, exatamente quando a "artrose" (osteoartrite) se torna mais frequente. Os praticantes de corrida frequentemente questionam se correr pode afetar negativamente seus joelhos. Se pode causar artrose ou se pode piorar alguma lesão pré-existente. É comum também a orientação médica de evitar impactos, entre eles a corrida, como forma de retardar a progressão da osteoartrite. Falaremos aqui sobre o assunto de forma objetiva, deixando outras condições ou lesões relacionadas à corrida para outra ocasião, como as tendinopatias, lesões musculares, entorses, síndrome patelofemoral e síndrome do estresse medial da tíbia. A causa da osteoartrite é desconhecida, mas muitos fatores influenciam, como idade, peso, sexo, fatores genéticos, tipo de trabalho, esporte praticado e lesões articulares prévias. O risco aumenta com a idade, mulheres são mais acometidas, pacientes com mau alinhamento dos membros inferiores (especialmente genu varo) têm maior risco e assim por diante. O excesso de carga ou de atividade física também têm sido frequentemente implicados no desenvolvimento da osteoartrite, muito embora a atividade física moderada seja importante para saúde articular. Pode haver também diferenças entre os esportes, mas a corrida, pelo alto número de praticantes e por ter impactos sucessivos no joelho por períodos prolongados, tem recebido maior atenção. A dúvida existe há tempos e infelizmente há poucos estudos de boa qualidade, ainda sem uma conclusão definitiva. Entre os mecanismos propostos no desenvolvimento da osteoartrite estão o excesso de sobrecarga em uma cartilagem articular normal ou cargas normais fisiológicas sobre cartilagens anormais. Em uma revisão da literatura envolvendo mais de 125 mil pacientes, os autores concluíram que a incidência de osteoartrite em corredores recreacionais era de apenas 3,5%, enquanto em sedentários ou aqueles que não corriam era de 10,2%. Por outro lado, corredores profissionais ou de elite tiveram incidência mais alta de osteoartrite no joelho ou no quadril, com 13,3%, sugerindo que a corrida moderada pode ser protetora para as articulações, ao passo que o alto volume ou intensidade de corrida (mais de 4 horas ou mais de 40 a 92 Km por semana) podem estar implicados em um aumento do risco. Vale lembrar que não há consenso na definição do que é moderado e do que é um alto volume de corrida, sendo esses limites decididos arbitrariamente. O volume e a intensidade dependem de outros fatores além unicamente da distância percorrida, como ritmo, terreno, frequência cardíaca ou outros equivalentes metabólicos. Um estudo mostrou que em corredores de maratonas, as alterações em suas cartilagens encontradas em exames de ressonância magnética permanecem por até 3 meses. A boa notícia é que, no momento, é crescente o número de pesquisadores que afirmam que doses moderadas de corrida seriam benéficas para remodelação da cartilagem articular, protegendo contra o desenvolvimento e a progressão da osteoartrite, sem levar em consideração todos os outros benefícios da corrida como a atividade física. São bem conhecidos os benefícios cardiovasculares, o melhor controle do diabetes, melhor saúde mental, melhora da densidade óssea, controle do peso, maior limiar para dor e assim por diante.
É importante que tanto o atleta quanto o médico que orienta seus pacientes avaliem a presença de outros riscos para osteoartrite, como obesidade, desvios de alinhamento dos membros inferiores e lesões articulares, que poderão ser mais determinantes do que a própria corrida e necessitam ser tratados. A correlação mais forte entre lesões articulares e o desenvolvimento de osteoartrite no joelho são a lesão do ligamento cruzado anterior e as lesões meniscais. Até 60% dos pacientes submetidos à meniscectomias parciais desenvolverão osteoartrite após 15 anos, sendo metade deles sintomáticos. Nessas situações, a alta intensidade ou alto volume da corrida podem não ser recomendáveis. Deverão ser consideradas, nesses casos, outras modalidades esportivas (como ciclismo ou natação), igualmente benéficas e considerando-se a saúde como um todo.
Conclusões
1) A corrida em doses leves ou moderadas parece não causar osteoartrite, sendo benéfica para as articulações.
2) A partir de um certo limite, que é individual e quase que impossível de ser definido com precisão, a alta carga de exercícios (no caso, o volume e a intensidade da corrida), pode superar a capacidade de reparação tecidual e a corrida pode ser lesiva, aumentando a incidência de artrose ou osteoartrite.
3) A recomendação da corrida tem que ser vista com muita cautela para pessoas que sabidamente têm osteoartrite ou têm fatores predisponentes ou condições que facilitam o seu desenvolvimento, como obesidade ou lesões prévias no joelho.
Fontes:
Running and Knee Osteoarthritis: A Systematic Review and Meta-analysis.
Timmins KA, Leech RD, Batt ME, Edwards KL.
Am J Sports Med. 2017 May;45(6):1447-1457.
Running Dose and Risk of Developing Lower-Extremity Osteoarthritis.
Gessel T, Harrast MA.
Curr Sports Med Rep. 2019 Jun;18(6):201-209.
“The Association of Recreational and Competitive Running with Hip and Knee Osteoarthritis: A Systematic Review and Meta-analysis” (J Orthop Sports Phys Ther 2017;47(6):373-390.
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Joelho, Trauma e Esporte









