Infecção após artroplastia de joelho (prótese).
A prevenção ainda é o melhor caminho.
A decisão do melhor momento para a colocação de uma prótese de joelho (artroplastia) é sempre difícil para os pacientes, familiares, médicos e fisioterapeutas. Muitos critérios têm sido estudados para auxiliar nessa decisão, como capacidade de caminhar (deambulação), consumo de analgésicos e escores que mensuram a função articular e a qualidade de vida. Fisioterapeutas fazem um excelente trabalho na chamada avaliação funcional, onde praticamente todos os critérios e nuances que envolvem o atual estado funcional do paciente podem ser avaliados, como dor, força muscular, mobilidade articular, teste de caminhada e questionários objetivos e subjetivos.
Entre os temores e ansiedades que estão relacionados com a decisão de submeter-se a uma cirurgia de joelho de grande porte destacam-se o medo da anestesia e a possibilidade de infecção do sítio operatório, cujo risco situa-se em 1 a 2% de todos os pacientes operados. Algumas vezes, a infecção pós-operatória é erroneamente chamada de rejeição, onde o paciente tende a atribuir a si mesmo o problema, como se o seu organismo estivesse rejeitando a prótese. Na verdade, a rejeição propriamente dita, que é mais semelhante a um processo alérgico aos componentes metálicos implantados, é mais rara. Infelizmente, a infecção após a artroplastia do joelho pode ser uma condição bastante grave, podendo comprometer definitivamente a função articular e até mesmo colocar em risco a vida do paciente, principalmente quando reconhecida ou tratada tardiamente. Algumas infecções são superficiais e de simples resolução, mas outras são profundas, onde o tratamento envolve a administração de antibióticos por via endovenosa por períodos prolongados, internações longas e reoperações que podem até mesmo exigir a retirada ou a troca parcial ou total da prótese. Alguns estudos mostram que infecções pós-operatórias do joelho podem aumentar o risco de morte de duas até 11 vezes, sendo que 77% dessas mortes podem ser atribuídas diretamente à infecção. Quando diagnosticada, é de suma importância que o tratamento seja iniciado de forma muito rápida, o que aumenta as chances do sucesso do tratamento e do salvamento da cirurgia sem que a prótese tenha que ser removida. Um problema que tem chamado muita atenção dos infectologistas e que pode prejudicar a erradicação da infecção é o crescente número de bactérias resistentes, inclusive aos antibióticos mais modernos.
A literatura ortopédica é muito ampla a respeito desse tema, sendo que a identificação dos fatores de risco e as medidas profiláticas são os melhores caminhos para a redução da incidência dessa temível complicação. Operar um joelho, particularmente a artroplastia, não é simplesmente um ato técnico de instalação de uma articulação artificial. O planejamento tem início muito antes, desde a atenta avaliação inicial do paciente e o tratamento antecipado de todos os fatores de risco que podem ser modificados. Aliás, quando falamos em fatores de risco, eles não são inerentes apenas aos pacientes, havendo também fatores de risco relacionados ao próprio ato cirúrgico, ao cirurgião e ao hospital escolhido para se fazer a cirurgia. Vamos falar inicialmente sobre os fatores relacionados aos pacientes.
Fatores de risco para infecção após artroplastia, relacionados aos pacientes
As condições gerais de saúde dos pacientes precisam ser analisadas minuciosamente antes da artroplastia de joelho, onde todas as comorbidades precisam ser reavaliados pelos médicos especialistas e adequadamente compensadas. Nesse sentido, é fundamental que os pacientes procurem não apenas o cardiologista e o anestesiologista (cujas avaliações pré-operatórias são habituais e feitas em todos os pacientes), mas também o infectologista nos casos de infecções crônicas ou repetitivas (como as infecções urinárias de repetição, extremamente comuns em mulheres idosas), endocrinologistas, cirurgiões vasculares e assim por diante. É sabidamente conhecido o aumento de risco de infecção pós-operatória em pacientes com diabetes mellitus mal controlado, infecções dentárias não tratadas, desnutrição, obesidade, imunodeficiência, tabagismo e doenças autoimunes, como a artrite reumatóide. Em praticamente todas essas condições, diversas medidas podem ser implementadas para que ocorra uma melhora ou melhor controle de cada uma delas. Uma visita prévia ao dentista por exemplo, pode garantir que as bactérias de uma infecção dentária não caiam na circulação e não contaminem a prótese do joelho, na chamada infecção hematogênica. Infecções dentárias devem, portanto, ser tratadas antes do agendamento da cirurgia. O tratamento do diabetes pode ser otimizado e o melhor controle da glicemia está definitivamente associado a uma redução no risco de processos infecciosos. Infecções urinárias devem ser tratadas e o tratamento da artrite reumatóide também pode precisar de ajustes nas medicações durante o período próximo da cirurgia.
Fatores relacionados ao médico e ao hospital
Obviamente, o paciente precisa buscar especialistas que sabidamente têm experiência com procedimento a ser realizado. Hoje, através da internet, conseguimos obter informações detalhadas acerca da qualificação profissional, se o médico tem registro como especialista em Ortopedia pelo Conselho Regional de Medicina e, ainda mais, se pertence a sociedades acadêmicas, como a Sociedade Brasileira de Cirurgia de Joelho, que é um bom começo para se obter informações. Profissionais e hospitais com baixo volume nessa cirurgia específica provavelmente não têm os processos e a logística bem definidos. Busque informações confiáveis. No ambiente hospitalar, simples detalhes, como a tricotomia (raspar os pelos) e o preparo da pele do paciente antes da cirurgia, podem ser decisivos. O trânsito de pessoas na sala de cirurgia deve ser minimizado ao máximo. Os antibióticos precisam ser administrados no tempo certo, 30 minutos a 1 hora antes do início da cirurgia. A necessidade da continuação dos antibióticos deve ser avaliada individualmente. A técnica cirúrgica precisa ser refinada, o cuidado com as partes moles na dissecção causa menos lesão tecidual e garante melhor suprimento sanguíneo, o que favorece a cicatrização e reduz a possibilidade de infecção. O instrumental escolhido deve ser de excelente qualidade, evitando passos repetidos ou desnecessários durante a cirurgia, pois isso aumenta a duração da cirurgia que está diretamente relacionada com a incidência de infecção. A equipe médica deve ser bem treinada e entrosada, garantindo a performance sincronizada durante todo o procedimento.
O sucesso do procedimento ainda não está garantido com a sutura da pele e o fechamento do curativo. Agora, o acompanhamento clínico e fisioterápico do paciente na enfermaria e no domicílio, principalmente na fase inicial, também precisam ser feitos com a máxima atenção, monitorando níveis de hemoglobina, temperatura corporal, edema, perfusão tecidual e condições da ferida operatória. Exames de sangue e reavaliação presencial com o médico responsável são necessários sempre que algo parecer suspeito, como febre, saída de secreções, hiperemia (vermelhidão local), piora da dor, queda do estado geral.
Diante do exposto, fica claro que médico e hospital precisam ter um claro e vigilante protocolo padronizado envolvendo todo o período perioperatório. São muitas as medidas profiláticas, que podem reduzir as infecções hospitalares em até 40%.
Gostaria de ressaltar que o texto tratou de um sério problema, mas que ocorre em 1 a 2% dos pacientes operados, o que significa ausência de complicações infecciosas em 98 a 99% dos pacientes. A artroplastia do joelho é um dos procedimentos mais realizados ao redor do mundo, com enormes chances de sucesso e de melhoria na qualidade de vida.
Converse bastante com seu médico, esclareça todas as dúvidas e boa cirurgia.
Fonte consultada:
Preventing Surgical Infections: Identifying the “Best” Interventions
Orthoevidence. July 9, 2021 | Article No. 89
Autores: Parvizi J; Siddiqua A; Bhandari M
Joelho, Trauma e Esporte










